Foi o advogado mineiro Affonso Penna (Affonso Augusto Moreira Penna, 1847 – 1909), quando no cargo de Presidente da República, de 15 de novembro de 1906 a 14 de junho de 1909, quem assinou o Decreto nº 1.825, de 20/12/1907, que dispõe sobre a remessa de obras impressas à Biblioteca Nacional do Brasil. Affonso Penna morreu em 1909, antes do término do mandato, e foi sucedido por Nilo Peçanha. O Decreto nº 1.825, publicado no Diário Oficial da União, em 22/12/1907, página 9.148, da Coleção de Leis do Brasil, batizado de “Depósito Legal”, dispõe sobre o envio à Biblioteca Nacional de um exemplar de todas as publicações produzidas em território nacional, acrescentando-se “por qualquer meio ou processo”, segundo a Lei nº 10.994, de 14/12/2004, que revoga o Decreto nº 1.825, de 1907.
Relendo o Decreto nº 1.825, de 1907, encontrei algumas curiosidades: “Os administradores de oficinas de typographia, lithographia, photographia ou gravura, situadas no Distrito Federal e nos Estados, são obrigados a remeter a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, um exemplar de cada obra que executarem”. Na época, não existia oficialmente a figura do editor, hoje responsável pela remessa prevista no decreto. No parágrafo IV, lê-se: “Quando nos objetos não estiver declarada a sua significação o seu preço de renda (preço de capa) e o número de exemplares de que a edição constar (quantidade de exemplares impressos por edição), todas essas indicações deverão acompanhar por ocasião de sua remessa”. E – pasmem, eu não sabia – no Artigo 4º, lê-se: “Os objetos remetidos a Biblioteca Nacional, em observância a esta lei, transitarão pelos Correios da República com isenção de franquia e gratuidade de registro”. E, por fim, não menos interessante, no Artigo. 5º, lê-se: “A Biblioteca Nacional publicará regularmente um boletim bibliográfico que terá por fim principal registrar as aquisições efetuadas em virtude desta lei”. No Artigo 2º da Lei nº 10.994, de 14/12/2004, assinada pelo então Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, aparecem as figuras do editor, pessoa física ou jurídica que adquire o direito de reprodução gráfica da obra, e do impressor, pessoa física ou jurídica que imprime obras, por meios mecânicos, utilizando suportes vários. O Artigo 5º – confuso e que já deu muito pano para manga – atribui erroneamente aos “impressores” a obrigatoriedade do Depósito Legal. O termo “impressor” se refere, de fato, ao editor, aquele responsável legal pela edição da obra e pelo direito de autor, que contrata uma oficina gráfica para executar o serviço de impressão. Para simplificar o entendimento, basta observar a edição de um livro eletrônico – e-book –, em que não existe a figura do gráfico/impressor. Fica claro, então, o entendimento sobre a quem cabe a obrigatoriedade. No parágrafo II do Artigo 5º, pode-se observar, também, o mesmo raciocínio: quem é o proprietário da edição, responsável pela comercialização dos livros no mercado? É o editor, não o impressor gráfico, que é um prestador de serviço. E, por fim, no texto da Lei nº 10.994, de 14/12/2004, desapareceu o Artigo 4º da Lei 1.825, de 1907, em que se lia: “Os objetos remetidos a Biblioteca Nacional, em observância a esta lei, transitarão pelos Correios da República com isenção de franquia e gratuidade de registro”. Vale o escrito ou “dar um perdido”, gíria que significa desaparecer ou se esquivar de algo ou de um compromisso, sem dar explicações, prática comum, hoje, dos Correios da República. O serviço de “isenção de franquia e gratuidade de registro”, mesmo insignificante economicamente, mostra o quanto o livro anda esquecido, desprestigiado e politicamente “abandonado”.
Não nos esqueçamos, nunca, da importância do livro, como fonte exponencial de conhecimento e cultura, ferramenta simples, eficiente, insubstituível e democrática. O Depósito Legal – importantíssimo – tem o objetivo de assegurar a coleta, a guarda e a difusão da produção intelectual brasileira, visando à preservação e à formação da Coleção Memória Nacional. Aqui cabe a máxima: "Um povo sem memória é um povo sem história".
João Scortecci