“Biblioclastia” significa destruição propositada de livros. Os motivos são muitos: ódio ao seu conteúdo, aversão à cultura, medo do desconhecido, do novo, intolerância religiosa, perseguição política e ideológica, inveja, radicalismo. É erro – frequente e comum – atribuir as destruições de livros a homens ignorantes e estúpidos. A história nos mostra – também – outro universo, desconhecido e ignorado por muitos. Sobram exemplos de filósofos, eruditos e escritores que praticaram em suas vidas a biblioclastia. O filósofo, físico e matemático francês René Descartes (1596 – 1650), seguro de seu método de fusão da álgebra com a geometria, fato que gerou a geometria analítica e o sistema de coordenadas, pediu aos leitores, que queimassem todos os livros antigos sobre o assunto. O filósofo e historiador escocês David Hume (1711 – 1776), que se tornou célebre pelo seu empirismo radical e o seu ceticismo filosófico, não hesitou em exigir a supressão de todos os livros sobre metafísica – filosofia que examina a natureza fundamental da realidade. O movimento futurista – que tinha como principal característica a valorização da tecnologia – publicou, em 1910, um manifesto em que preconizava o fim e a queima de todas as bibliotecas. "Esqueçam o passado!" Os poetas dadaístas colombianos – movimento artístico pertencente às vanguardas europeias do século XX, cujo lema era, “a destruição também é criação” – queimaram, em 1967, exemplares do romance María, do escritor colombiano Jorge Isaacs (1837 – 1895), convencidos de que era necessário destruir o passado literário do país. O poeta e romancista russo Vladimir Nabokov (1899 – 1977), professor das Universidades de Stanford e Harvard, queimou exemplar de Don Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes, no Memorial Hall, diante de mais de 600 alunos. O filósofo, escritor e professor universitário Martin Heidegger (1889 – 1976) excluiu de sua biblioteca livros do matemático e filósofo alemão Edmund Husserl (1859 – 1938), para que seus estudantes de filosofia os queimassem, em 1933. O escritor, poeta, tradutor, crítico literário e ensaísta argentino Jorge Luis Borges (1899 – 1986) em “O congresso”, conto incluído em O livro de areia (1975), fez um de seus personagens dizer: “A cada tantos séculos há que se queimar a biblioteca de Alexandria... queimar o passado é renovar o presente.”. Até tu, Borges!
João Scortecci