O escritor, jornalista, editor e político colombiano Gabriel García Márquez (06.03.1927 – 17.04.2014), autor de vasta obra, incluindo romances, contos e textos não ficcionais, é um dos mais importantes e admirados escritores do século XX. Foi laureado com o Prêmio Nobel de Literatura em 1982 e é um dos escritores mais traduzidos no mundo, com mais de 40 milhões de exemplares vendidos em 36 idiomas. Seus livros fazem parte de minha formação humana e literária e de muitas gerações de leitores, ensinando a sentir, viver e nomear alguns mistérios realistas e fantásticos da vida. São companheiros em tempos de amor, de solidão, de naufrágios, de mortes anunciadas e de cóleras.
Buscando Gabo nas estantes de minha biblioteca, encontrei exemplares do magistral Cem anos de solidão e outros livros seus, e entre eles O amor nos tempos do cólera (1985, com tradução de Antônio Callado), que ganhei de um amigo como presente de 32º. aniversário e com esta dedicatória: “Maria: Se um dia não conseguires falar, se um dia não conseguires ouvir, apenas sintas e te deixes sentir. J. 06/11/86”. Apesar do esforço de memória, não consigo lembrar quem é o autor de tão afetuosas palavras. Mas lembro dos momentos de emoção e encantamento que me proporcionou a leitura desse e outros livros do escritor colombiano.
Para escrever O amor nos tempos do cólera, García Márquez se baseou na história real de seus pais. Gabriel Elígio García – telegrafista, violinista e poeta –, quando jovem, apaixonou-se por Luiza Márquez, cujo pai, Coronel Nicolas, tentou impedir o casamento, enviando a filha ao interior numa viagem de um ano. Com a ajuda de amigos telegrafistas, Gabriel continuou se comunicando com Luiza. No romance, a história de amor dos protagonistas Florentino Ariza e Fermina Daza se passa na cidade colombiana de Cartagena das Índias, no século XIX, durante a epidemia do cólera – doença infecciosa aguda – em que quarentenas eram uma estratégia para evitar o contágio. Mas pode também ser entendida, em sentido figurado, como a cólera – ira, ódio, no contexto político e social daquele país – ampliando-se para outros tempos e contextos a metáfora da condição humana representada no romance. Depois de cinco décadas de espera e paciente empenho, Florentino conquistou o amor de sua “deusa coroada”, Fermina, logo que ela enviuvou. O casal, porém, precisou se afastar do mundo a bordo de um navio em viagem pelo Caribe, para finalmente viver sua “lua de mel”. Ele, com 76 anos de idade; ela, com 72. Durante a viagem, compreenderam que “(...) tinham vivido juntos o suficiente para perceber que o amor era o amor em qualquer tempo e em qualquer parte, mas tanto mais denso ficava quanto mais perto da morte.” Não querendo ambos retornar ao “horror da vida real”, Florentino convence o comandante do navio a hastear a bandeira do cólera. Na volta à cidade, impedidos de atracar no porto, ele tem a solução para o impasse em que envolveu o comandante:
" — E até quando acredita o senhor que podemos continuar neste ir e vir do caralho? — perguntou.
Florentino Ariza tinha a resposta preparada havia cinquenta e três anos, sete meses e onze dias com as respectivas noites:
— Toda a vida — disse."
Reler os clássico de García Márquez é sempre alentador: emoção e encantamento renovados. Principalmente em tempos de pandemia, guerra e catástrofes climáticas, em que a morte é ameaça próxima, sentir, ouvir, falar e viver o amor é, mais do que nunca, necessário e imprescindível, para continuar alimentando a esperança e o sentido de amar, em qualquer tempo e por toda a vida.
Maria Mortatti