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SILVA JARDIM, O “HERÓI DA REPÚBLICA”, E O ENSINO DA LEITURA / MARIA MORTATTI

Antônio da Silva Jardim (Capivari/RJ,18.08.1860 – Nápoles/Itália, 01.07.1891), foi advogado, professor, jornalista e ativista político brasileiro. Aos cinco anos de idade aprendeu a ler em casa, na escola do pai, completou curso primário e colegial no Rio de Janeiro e, entre 1878 e 1882, cursou Direito na Faculdade de Direito do Largo São Francisco na capital da então província de São Paulo. Inicialmente um liberal, durante o curso aderiu aos republicanos e abolicionistas, juntou-se a Luís Gama e José Leão para pregar ideias abolicionistas e organizar, na prática, a fuga de escravos, sobressaiu-se como orador e iniciou colaboração em jornais. Em 1883, casou-se com Margarida Bueno de Andrada, filha do Conselheiro Martim Francisco de Andrada, professor da Faculdade de Direito, pertencente a uma das mais influentes famílias paulistas e líder do Partido Liberal. Silva Jardim se tornou amigo do  advogado, escritor e político liberal Herculano Marcos Inglês de Sousa (1953 – 1918), organizador da Escola Normal de São Paulo, que indicou Silva Jardim para secretário dessa escola e professor do curso primário anexo. No final de 1983, Silva Jardim foi aprovado em concurso para a cadeira de Português da Escola Normal de São Paulo.

Era filiado a sociedades secretas, entre as quais a Maçonaria, e, em 1881, como muitos intelectuais da época, aderiu ao Positivismo, doutrina sistematizada pelo filósofo francês Augusto Comte (1798 – 1857), especialmente a perspectiva política que postulava a forma republicana como a mais adiantada que a humanidade já produzira. Em 1884, fundou, com o educador e escritor João Köpke, a Escola Neutralidade, de ensino primário laico, contrastando com a educação da época, marcada pelas relações entre Estado e Igreja Católica. Atuou também como advogado em causas de escravos, mudando-se para a cidade de Santos com um sócio em escritório de advocacia, onde, em 1888, organizou o primeiro comício republicano do País. Participou de clubes, eventos e criação de partidos republicanos provinciais e municipais e neles ocupou cargos diretivos, principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro. Devido ao radicalismo político, discursos contundentes e seu método de propaganda combativa, sofreu resistências do Partido Republicano e do grupo que, após a proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, passou a governar o País, durante o Governo Provisório liderado pelo Marechal Deodoro da Fonseca entre 1889 e 1891. Em 1890, Silva Jardim se candidatou ao Congresso Constituinte, não se elegeu e se retirou da vida política, desapontado com o quadro político do novo regime. Em outubro de 1890, viajou à Europa com o filho mais velho e o amigo Joaquim Carneiro de Mendonça. Na Itália, acompanhado do amigo e de um guia, quando visitava o vulcão Vesúvio, em Nápoles, aproximaram-se da borda da cratera, o solo tremeu e Silva Jardim foi tragado pelo vulcão, falecendo em 1º. de julho de 1891.

Apesar da morte precoce com 31 anos de idade, Silva Jardim publicou mais de três dezenas de textos, grande parte em opúsculos resultantes dos discursos e conferências que fazia, e deixou textos inéditos, publicados postumamente:  A crítica de escada abaixo (1880); Memórias e viagens – I: campanha de um propagandista (1887 – 1890) (póstuma, 1891), Propaganda republicana (1888-1889) – discursos, opúsculos, manifestos e artigos coligidos, anotados e prefaciados por Barbosa Lima Sobrinho (póstuma, 1978), Salvação da pátria: governo republicano: conferência realizada no Club Republicano de São Paulo (1888), e Reforma do ensino da língua materna (1884). Sobre sua vida e  atuação política, há dezenas de textos publicados desde 1889, com biografias, memórias, crônicas históricas, estudos e pesquisas, além de muitas citações em livros e trabalhos acadêmicos e artigos na Internet. 

Talvez possa parecer estranho que um homem que ficou conhecido na história do Brasil como “Herói da República” – epíteto que lhe atribuiu Luiz Antônio Aguiar, em biografia romanceada publicada em 1989 – tenha se dedicado também à propaganda de um método para o ensino inicial da leitura e da escrita, o método da palavração, contido na Cartilha maternal ou arte da leitura (1876), do poeta português e também positivista João de Deus. 

Em 1882, com 22 anos de idade, a convite de Inglês de Souza, então presidente da província do Espírito Santo, Silva Jardim esteve em “missão” naquela província, para divulgar o método João de Deus, em forte oposição aos métodos alfabético, fônico e silábico até então utilizados, que ele combatia como causas das dificuldades de as crianças aprenderem a ler. Silva Jardim já utilizava o método João de Deus como professor da Escola Primária anexa à Escola Normal de São Paulo e o considerava o mais moderno, científico e revolucionário, porque baseado na palavração, estando, por isso, de acordo com os princípios do positivismo comtiano e com preceitos da Linguística mais avançada da época. 

Em abril de 1884, depois de aprovado em concurso para a Cadeira “Gramática e língua nacional” da Escola Normal de São Paulo – à qual concorrera também o professor e escritor Júlio Ribeiro –, Silva Jardim proferiu a conferência pública Reforma do ensino da língua materna, em que defendeu ardorosamente o método João de Deus. Essa conferência, que teve grande repercussão na época, possibilita compreender outra faceta de Silva Jardim bem como a relação com o conjunto de sua atuação em defesa de princípios comtianos e republicanos e sua importância na história da educação e do ensino de leitura e escrita no Brasil.

O positivista e republicano militante, que, em especial nos dois anos antecedentes à proclamação da República, tornou-se o mais combativo propagandista do novo regime político e da abolição da escravatura no País, foi também o professor primário e da Escola Normal que defendeu a modernização da instrução e a renovação dos métodos de ensino. E, com a defesa do método João de Deus, articuladamente à defesa do regime republicano, contribuiu para fundar uma tradição em alfabetização no Brasil. Como indicam os estudos sobre sua vida e obra, o legado de sua atuação ilumina e realça, ainda hoje e mais uma vez, a intrínseca relação entre ensino inicial de leitura e escrita – ou alfabetização, denominação mais comum desde início do século XX – e projetos para a nação.

Em sua homenagem, além de ter sido escolhido como patrono de escolas, o município de Capivari - RJ passou a se chamar “Silva Jardim”, em 1943, e a localidade de Ilha Grande – SP foi batizada, em 1896, de “Jardinópolis”.

A obra e atuação profissional de Silva Jardim também estão, há décadas, entre meus objetos de pesquisas historiográficas, publicações e trabalhos de pós-graduação que orientei – em especial a tese de doutorado de Franciele Ruiz Pasquim –, os quais sintetizo neste texto. 

Maria Mortatti