A biografia da gráfica e livreira inglesa Elizabeth Mallet (1672 – 1706) é incrível. Não a conhecia. Estava pesquisando sobre mulheres impressoras e editoras na Inglaterra, quando soube da história do seu The Daily Courant, primeiro jornal diário inglês, fundado em 11 de março de 1702. O diário consistia em uma única página, com anúncios no verso. No primeiro número do jornal, Mallet declarou que pretendia publicar apenas notícias e não acrescentaria nenhum comentário próprio, supondo que seus leitores tivessem “bom senso” e “discernimento” para julgar e analisar os fatos. O pulo do gato: anúncios somente no verso do jornal, prova do que dizia de não permitir interferências ou influências de anunciantes, políticos e poderosos. A ideia de separar as notícias dos anúncios foi tentada – ao longo do tempo –, por diversos jornais e revistas do mundo todo, sem sucesso. Simples assim: os anunciantes não aceitam! Exigem que seus anúncios ocupem espaços estratégicos e pagam por isso, seguindo os critérios de localização do anúncio no impresso, seu tamanho e relação proativa com a manchete. Depois de menos de dois meses, Elizabeth Mallet vendeu The Daily Courant para Samuel Buckley. O diário durou até 1735, quando foi fundido com o Daily Gazetteer. Elizabeth Mallet e seu marido David Mallet, durante as décadas de 1670 e 1680, dominaram o comércio de discursos impressos proferidos por prisioneiros condenados antes da execução em Tyburn, feudo no condado de Middlesex, sudeste da Inglaterra. Os "últimos discursos moribundos” são as últimas palavras de uma pessoa antes da morte ou quando a morte se aproxima. Os registros são mais comuns do que parecem, principalmente na Europa e nos Estados Unidos da América do Norte. É comum, também, condenados à pena de morte, no dia da execução, terem o direito a escolher o que desejam comer em sua última refeição. “O último pedido!” David, o marido de Elizabeth Mallet, morreu em 1683. No seu lugar, na gerência da gráfica e dos negócios, assumiu David, seu filho. O moço não tinha jeito para o negócio, e o empreendimento acabou, infelizmente, falindo. Antes da invenção da imprensa, os livros eram feitos de páginas escritas por escribas, caros e luxuosos, privilégio apenas para religiosos e homens da classe alta. Um livro podia levar até dois anos para ser concluído. O alemão Johannes Gutenberg, por volta de 1450, inventou a prensa de tipos móveis, o que possibilitou a produção em massa de livros. A impressão naquela época era trabalho pesado, árduo e exigia força física. Mesmo assim, muitas mulheres conseguiam fazer todos os serviços necessários para produzir um livro. Aprendiam o ofício com seus pais ou maridos. De meados de 1500 a meados de 1600, as mulheres representavam 10% da força de trabalho de impressão, em Londres. Antes da abolição do sistema de guildas – associações de artesãos e comerciantes que controlavam e supervisionavam a prática de um ofício ou comércio em determinado território ou região –, a única maneira de uma mulher se tornar empresária das artes gráficas era herdar um negócio de seu falecido marido, já que o privilégio da guilda (patente e autorização) era concedido por costume à viúva de um membro da associação. A Inglaterra seguiu o costume europeu de permitir que as viúvas herdassem o privilégio da guilda, até que se casassem novamente. Sabe-se que 34 viúvas eram ativas como impressoras e editoras de livros em Londres, entre 1641 e 1660. A lista de viúvas empresárias gráficas de sucesso é grande: Elisabeth Pickering, Mary Clark, Hannah Allen, Elinor James, Elizabeth Mallet, Ann Lea, Anne Dodd Ann Ward, Martha Gurney, Elizabeth Jackson, Eleanor Lay e Sarah Roddam. Na Inglaterra, a maioria das gráficas herdadas por mulheres, viúvas de impressores gráficos, progrediram e duraram por décadas. Algumas estão, até hoje, em pleno funcionamento, imprimindo jornais, revistas e livros.
João Scortecci