“Viemos todos ao mundo com a etiqueta ‘frágil’. Um nada nos fere e até mesmo nos mata. [...] Temos apenas nosso ser, nada mais somos. [...] O frágil está em perigo, mas o frágil é perigoso. Isso vale para o vidro. E para nós também.” Lembrei-me desses trechos do livro Fragilidade (Objetiva, 2007), do roteirista, diretor, escritor e ator francês Jean-Claude Carrière (1931– 2021), quando recebi o inesperado pacote com a etiqueta: “Atenção. Frágil”. Dentro dele, estavam dois livros raros cuidadosamente embalados e protegidos com plástico-bolha. Dentro dos livros, um precioso mundo de mistérios a desvendar.
Com o impacto da advertência, lembrei-me do ensinamento do apóstolo Paulo na “Segunda Carta aos Coríntios” — “quando estou fraco, então é que sou forte”. E, por inevitável associação, lembrei-me da frase do escritor russo Fiódor Dostoiévski que está no título do livro A beleza salvará o mundo (Difel, 2014), do filósofo e linguista búlgaro-francês Tzvetan Todorov (1939 – 2017), que oferece comoventes retratos de “três aventureiros do absoluto” e suas vidas trágicas e passionais: o poeta irlandês Oscar Wilde, o poeta austríaco Rainer Maria Rilke e a poeta russa Marina Tsvetáieva. Nas obras que produziram, está o resultado mais brilhante de seus desejos de colocar a vida a serviço da beleza e da perfeição, instigando-nos a refletir sobre a arte de viver e o papel da literatura na busca de uma vida bela e plena de sentidos. Em outro livro A literatura em perigo (Difel, 2008), Todorov recorda as ameaças que desde Sócrates e Platão, imputavam-se à literatura, por interferir na formação do espírito de forma incontrolável, e a ameaça moderna e oposta: a de não poder fazer parte da formação cultural dos indivíduos, principalmente pela forma impositiva e predominantemente analítica de ensino escolar.
O objeto da literatura é a condição humana, e na leitura da obra dos grandes escritores que se dedicaram a compreender as paixões e comportamentos humanos está a experiência vital da literatura que pode nos proporcionar transformações íntimas. Nessa comunicação inesgotável que vence limites do tempo e do espaço mediada pelo livro, esse objeto tão frágil quanto poderoso, encontram-se também nossa fragilidade e nossa força para compreender o mundo, buscar sentidos para a arte de viver e transmitir essa experiência às novas gerações.
Maria Mortatti – 26.03.2023