Juó Bananére é pseudônimo, heterônimo, personagem e caricatura verbal criada por Alexandre Ribeiro Marcondes Machado (11.04.1892 – 22.08.1933), por meio da utilização de uma linguagem macarrônica, baseada na mistura da língua italiana com a língua portuguesa e inspirada na fala dos imigrantes italianos do bairro paulistano do Bexiga e redondezas – Largo do Bexiga e Largo do Piques, atual Praça das Bandeiras – nas décadas iniciais do século XX. Juó Bananére nasceu da caricatura desenhada por Lemmo Lemmi (Voltolino) em 1909 para o jornal semanal O Piralho, fundado por Oswald de Andrade, que escrevia “As cartas do Abax’o Pigues”, com o pseudônimo Annibale Scipione. Em 1911, Bananére ganhou vida e voz, escrevendo as cartas com Oswald, tendo assumido a seção depois da viagem do poeta para a Europa. Com a popularidade entre os leitores, a caricatura verbal foi se desprendendo da imagem inicial e ganhando biografia também na linguagem macarrônica – que pode pode ser mais bem compreendida hoje com a leitura em voz alta, possibilitando reconhecer na escrita a representação das marcas de um modo italianado-caipira de falar. Juó Bananére era poeta, cronista, giornaliste, saufoniste e barbiere, ítalo-paulistano, morador do Abax’o Pigues, na cidade de Zan Baolo, membro da Agademia Baolista de Letteras e sócio do Palestra Intalia, casado, com quatro filhos e um neto.
A popularidade de Bananére, com sua laboriosa linguagem macarrônica e seu estilo humorístico, satírico e crítico, com paródias de jornais, políticos, autoridades, poetas e escritores, consolidou a carreira literária do autor empírico. Nascido na cidade de Pindamonhangaba – SP, descendente de portugueses, filho do médico José Francisco Marcondes Machado e de Mariana Ribeiro Marcondes Machado, aos oito anos de idade Alexandre Ribeiro Marcondes Machado se mudou com a família para Araraquara, depois para Campinas, e nessas cidades do interior paulista completou os estudos primários e preparatórios. Em 1911, mudou-se para a capital do estado, cursou o ginasial em humanidades, ingressou no curso de engenharia civil na Escola Politécnica de São Paulo, formou-se em 1917 e fundou uma empresa de construção civil com Octavio Ferraz Sampaio. Desde o período de estudante até 1933, colaborou com jornais e revistas, como O Piralho, O queixoso, Diário Nacional, O Estado de S. Paulo, entre outros. Em 1915, publicou a primeira edição do livro La divina increnca e, em 1917, em parceria com Antonio Paes (Moacir Piza), publicou Galabáro – libro di saneamento suciali. Em 1919, viajou para as cidades históricas de Minas Gerais, de que resultou o álbum ilustrado Arquitetura colonial no Brasil. Em 1924, colaborou na seção “Grizia Literária”, d'O Estado de S. Paulo, e, em 1933, criou seu jornal semanal Diário do Abax’o Piques. Em 22 de agosto daquele ano, Marcondes Machado faleceu de anemia perniciosa, com 41 anos de idade, na cidade de São Paulo, e está sepultado no Cemitério da Consolação, ao lado da esposa Diva, que morreu três anos depois.
O mais duradouro sucesso de Juó Bananére é o livro La divina increnca (Livraria do Globo - Irmãos Marrano Editores). Teve 11 edições ou reedições, até a de 1993 – publicada pela Escola Politécnica da USP, nos cem anos de sua fundação, em homenagem ao ilustre ex-aluno –, nas quais foram sendo acrescentados poemas, crônicas e criações para teatro, sempre em linguagem macarrônica. A edição de 1915 contém 23 textos. Na edição de 1924, são 35, oito deles adaptados pelo autor para serem cantados com melodias populares da época, algumas de Catulo da Paixão Cearense. Em 1918, foi montada pela Companhia Arruda a peça homônima, estruturada em dois atos e musicada por L. Alves Silveira, que se tornou também o maior sucesso teatral do ano. Em 1931, Juó Bananére gravou o samba humorístico “U cavagnac”, com colaboração de Barão do Pandeiro.
O livro – cujo título parodia o da obra La divina commedia, do poeta florentino Dante Alighieri – contém paródias de textos de poetas e escritores famosos, como Machado de Assis, Olavo Bilac, Gonçalves Dias, Casemiro de Abreu, La Fontaine, além de crônicas satíricas sobre a vida e os costumes dos ítalo-paulistanos e sobre figuras proeminentes da política da época, como os presidentes da república Venceslau Brás e Hermes da Fonseca, o jurista Ruy Barbosa e muitos outros. Um de seus poemas mais conhecidos é a paródia de "Canção do Exílio", de Gonçalves Dias:
Migna terra tê parmeras,
Che ganta ínzima o sabiá.
As aves che stó aqui,
Tambê tuttos sabi gorgeá.
A abobora celestia tambê,
Che tê lá na mia terra,
Tê moltos millió di strella
Che non tê na Ingraterra.
Os rios lá sô maise grandi
Dus rio di tuttas naçó;
I os matto si perdi di vista,
Nu meio da imensidó.
Na migna terra tê parmeras
Dove ganta a galligna dangola;
Na minha terra tê o Vap'relli,
Chi só anda di gartolla.
Quanto ao engenheiro Alexandre Ribeiro Marcondes Machado, seu estilo colonial neoclássico não era inovador, mas essa atividade profissional proporcionava condições financeiras para Juó Bananére se dedicar à carreira de escritor e jornalista. Marcondes Machado construiu edifícios na capital paulista, como o Palacete Xavantes, na Rua Benjamin Constant, e uma residência de estilo neocolonial, na esquina da Avenida Angélica com Avenida Higienópolis. Também "gorjeou" na “migna terra” natal, Araraquara. Embora provavelmente poucos araraquarenses conheçam Bananére ou Marcondes Machado, sua obra arquitetônica deixou marcas importantes na paisagem urbana e integra o patrimônio histórico e cultural da cidade e do estado de São Paulo. São assinados por ele os projetos do Clube Araraquarense, do Hotel Municipal e do Teatro Municipal, inaugurados entre 1919 e 1925, que compunham o boulevard da Esplanada “Antônio Correia da Silva”, a Esplanada das Rosas, símbolo da modernização da cidade que queria se sofisticar e superar o trágico e sombrio final do século XIX, marcado pela epidemia de febre amarela e pelo linchamento dos Irmãos Britos. Também assinou os projetos da Praça Matriz, da Escola Profissional, do Araraquara College, da Faculdade de Farmácia e Odontologia de Araraquara e do Estádio Municipal.
Quanto a Juó Bananére – considerado por Oswald de Andrade como “o mestre da sátira no Brasil” e, pelo escritor Antônio de Alcântara Machado, como “o cronista mais popular de São Paulo” –, seu sucesso não se manteve nas décadas seguintes. Ficou esquecido pelo público e por autores de livros de história da literatura, talvez pela dificuldade em enquadrar e classificar sua obra no campo literário. Mas existem estudos críticos, como os de Otto Maria Carpeaux, Mário Carelli, Elias Thomé Saliba, Benedito Antunes, Ana Paula de Andrade, Carlos Eduardo Capela, entre outros, consultados para este texto, que constituem importante fortuna crítica sobre autor e obra.
Complexa mistura de pseudônimo, heterônimo, personagem e caricatura verbal, Juó Bananére continua sendo a concretização mais visível e sofisticada dos projetos e da obra macarrônica de seu criador, Alexandre Ribeiro Marcondes Machado. Paradoxalmente, porém, nesse caso a obra literária parece se sobrepor à obra arquitetônica. Prédios podem ou precisam ser demolidos, como ocorreu nos anos 1960 com o Teatro Municipal de Araraquara, motivo de tristeza até hoje. Mas a obra humorística e satírica de Juó Bananére ainda representa uma baita increnca para os críticos literários e uma deliciosa comédia profana para nós, leitores.
Maria Mortatti