Nascida em São Petersburgo, em 18.03.1919, imigrou com a família para o Brasil em 1929, estabelecendo-se na cidade de São Paulo, onde cursou o primário, o ginasial e curso comercial, trabalhou como secretária-correspondente, nos idiomas português e inglês, iniciou o curso de Filosofia na Faculdade São Bento, e em 1940 o abandonou quando se casou com o médico santista Júlio de Gouveia (1914 – 1979). Juntos, iniciaram atividades artísticas e culturais pioneiras no Brasil. Ela, como roteirista e adaptadora de obras nacionais e estrangeiras, ele, como diretor teatral, criaram adaptações de histórias infantis para teatro, montaram peças para os teatros da Prefeitura de São Paulo, fundaram o TESP – Teatro Escola de São Paulo e, em 24 de dezembro de 1951, levaram ao ar a adaptação de “Os Três Ursinhos”, pela TV Tupi, onde mantiveram por quatro anos programas de teleteatro. Entre seus trabalhos mais célebres, está a primeira adaptação para a televisão da série O Sítio do Pica-pau Amarelo, baseada na obra de Monteiro Lobato, com 360 episódios roteirizados por ela e encenados entre os anos de 1952 e 1966. Nas décadas seguintes, foi presidenta do Setor Infantojuvenil da Comissão Estadual de Teatro de São Paulo, criadora/diretora da revista Teatro da Juventude, colaboradora com resenhas de livros de literatura infantil nos jornais Folha de S. Paulo ("Folhinha"), O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde, e também crítica de literatura infantojuvenil e de teatro da TV Cultura. Com seu conhecimento e fluência em idiomas, como alemão, inglês, francês, iídiche, atuou também por mais de quatro décadas, como tradutora ou adaptadora de mais de 80 livros, entre os quais de: Brecht, Dostoievski, Gógol, Tchékhov, Puchkin, Maiakovski, Shakespeare, Goethe, Whitman, Irmãos Grimm, Perrault, Lewis Carroll, Stevenson, além de antologias como: Di-versos hebraicos e Salada russa. Em 1987, publicou o primeiro livro de poesia infantil: Limeriques (FTD). É considerada a introdutora, no Brasil, desse tipo de poema baseado nos limericks do poeta inglês Edward Lear (1812 – 1888), um tipo de poema formado de uma estrofe de cinco versos, rimados entre si com o esquema AABBA e fazendo referência a situações engraçadas ou absurdas. Nas décadas seguintes, publicou livros, em verso e em prosa, a maioria para o público infantojuvenil, chegando a mais de 200 títulos, entre traduções e produção original, além das entrevistas que concedeu. Em 2003, publicou o livro autobiográfico Transplante de menina (Moderna).
Recebeu muitos prêmios e homenagens, entre eles: Prêmio Mérito Educacional (1979) e Prêmio Jabuti de Personalidade Literária do Ano (1989), ambos concedidos pela Câmara Brasileira do Livro; Prêmio pelos 30 anos de atividades em Teatro e Literatura Infantojuvenil (1979) da Associação Paulista de Críticos de Arte; Prêmio Francisco Iglésias (1991) da União Brasileira de Escritores; Prêmio Monteiro Lobato de Tradução (1988 e 1990), concedido pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. Em 2010, recebeu a Comenda da Ordem do Ipiranga pelo Governo do Estado de São Paulo e tomou posse na Cadeira n. 25, da Academia Paulista de Letras. Sua obra e atuação têm sido objeto de importantes estudos, pesquisas, biografias, constituindo considerável fortuna crítica disponível em livros, trabalhos acadêmicos e páginas da internet, para consulta e conhecimento de suas inesgotáveis contribuições. Faleceu aos 94 anos de idade, na cidade de São Paulo, no dia 15 de junho de 2013.
Aquela menina russa “transplantada” no Brasil e naturalizada brasileira, que queria ser bruxa, até conhecer Emília, a boneca de pano criada por Lobato, tornou-se uma das mais importantes escritoras e tradutoras/adaptadoras de clássicos da literatura universal. Mesmo sem saber de sua existência, de seu nome e suas atividades de roteirista, tradutora e escritora, ela fez parte de minha formação e de tantas gerações de brasileiros. Na infância, assistia à série O Sítio do Pica-Pau Amarelo. Depois, li alguns dos clássicos da literatura universal que ela traduziu, embora não me lembre de ter reparado no nome da tradutora. Mas foi nos anos 1980, como professora e pesquisadora, que a conheci, de fato, e compreendi sua importância. Na antologia Salada russa (Coleção Asa-Delta, Edições Paulinas, 1989) que ela traduziu, com contos de grandes autores russos, está “Pamonha”, de Anton Tchekhov, que escolhi para ler com meus alunos da educação básica. Pelas mãos de Tatiana Belinky, a beleza do original nos proporcionou momentos de estupefacção frente à rudeza da verdade das relações humanas e sociais estampada no breve diálogo encenado pelo cruel nobre russo e sua criada submissa. A acusação de “pamonha” – termo certeiramente escolhido para a tradução do título – e a “moral da história” ecoaram por muito tempo entre nós: “Como é fácil ser forte neste mundo!” Seu primeiro livro de limeriques, também o apresentei aos alunos. Gostamos tanto, que nos atrevemos a tentar escrever poemas desse tipo. Durante aquelas divertidas atividades, ousei o meu – modesto, mas honesto:
Limerique para Belinky
Com sua obra bem arteira
de multilíngue inventadeira
um tipo de Emília
fã de poesia:
Belinky, ilustre brasileira!
Continuei lendo esse e outros contos e limeriques para alunos, sobrinhas, filha, neto e, até hoje, para minhas alunas futuras professoras, lembrando-nos sempre de agradecer a essa mulher escritora e tradutora que nos dá a conhecer preciosidades como essas. A obra precursora de Tatiana Belinky – leitora e poliglota desde a infância, que escrevia o que lhe dava vontade e selecionava textos para crianças, sem censuras e seguindo critérios de qualidade estética – continuará sendo escolhida, apreciada e marcando a formação de leitores crianças, jovens e adultos. É patrimônio da literatura e da cultura brasileiras.
Maria Mortatti