Revisar: ver de novo, examinar. Revisor: um leitor do texto que o autor lhe oferece. Revisar é penetrar no texto para encontrar, não o autor empírico, mas o sujeito do discurso, aquele a quem se pode atribuir a função de conferir certa unidade à escrita. O revisor é – antes de tudo – um experiente leitor de textos escritos de todos os tipos (literários, acadêmicos, jornalísticos, publicitários etc.) e em todos os suportes (físicos e digitais); que sabe ouvir e dialogar com o autor e compreender a lógica interna do projeto – consciente ou não – que o autor busca concretizar linguisticamente na configuração textual; que toma o texto como ponto de partida e ponto de chegada de sua atividade de leitor, que sabe ler o conjunto de aspectos inter-relacionados que constituem o sentido de um escrito: motivos, finalidades e efeitos desejados, leitores previstos, condições de produção e contexto de circulação, opções de estrutura, forma e conteúdo; que, como leitor experiente, respeita as singularidades do estilo do autor, indicando, quando necessário, correção de "conteúdo sensível", de erros de digitação, ortografia, pontuação, sintaxe e demais aspectos da gramática normativa da língua portuguesa, de aspectos formais/estruturais, supressões, acréscimos, substituições, deslocamentos e remanejamentos, aprimoramento de relações de coesão e coerência, padronização/uniformização de recursos formais e expressivos.
Não se trata, portanto, de mera "correção automática", que um corretor ou aplicativo digital pode fazer, ou de mera aplicação de regras da gramática normativa, cujo conhecimento é necessário, mas não suficiente em si mesmo. Também não se trata de o revisor se apropriar da função autor ou, mais diretamente, atuar como ghost writer. O revisor leitor de configurações textuais sabe distinguir entre erros que devem ser corrigidos, sem confundir com licença poética, e escolhas deliberadas que devem ser respeitadas porque caracterizam o estilo do autor, como nos casos de colocação pronominal de Mário de Andrade, da pontuação de Clarice Lispector, dos neologismos de Guimarães Rosa, da língua macarrônica de Juó Bananére, entre tantos outros exemplos.
Revisar não é exatamente ver de novo, mas justamente ver, com olhos de outro e pela primeira vez, tudo o que o autor não sabe ou não mais consegue ver com seus olhos colados ao produto de seu trabalho. Revisar – essa discreta parceria e imprescindível etapa de preparação do texto para torná-lo público – é um ato de respeito pela autoridade do autor, a quem cabe a palavra final. O ofício do revisor não se confunde com o do “professor de português” nem com o daquele “professor de melancolia” do apólogo de Machado de Assis. Todo revisor é – antes, durante e além de tudo – um leitor. Melhor, ainda, se também for escritor. Nesse caso, provavelmente seu desejo é contar com um revisor como ele.
Maria Mortatti