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OS LIVROS ENCADERNADOS COM PELE HUMANA / JOÃO SCORTECCI

Não conheço pessoalmente o Museu do Surgeons’ Hall, dedicado à medicina e especializado em técnicas cirúrgicas, e muito menos a cidade de Edimburgo, capital da Escócia. Curiosidades anotadas na agenda de viagem: conhecer a “Pedra de Scone” ou “Pedra Fadada” – bloco oblongo de arenito vermelho – usada durante séculos na coroação dos governantes escoceses e, mais tarde, dos monarcas da Inglaterra e do Reino da Grã-Bretanha; e, possivelmente, visitar o famoso Museu, para ver de perto – com lupa conta-fios – o livro encadernado com a pele do irlandês William Burke (1792 – 1829). Lendo sobre a Anatomy Act, de 1832, lei do Parlamento do Reino Unido que concedeu licença gratuita a médicos, professores de anatomia e estudantes de medicina – de boa-fé – para dissecarem corpos doados, soube da história de William Burke, condenado por realizar trâmites ilegais de corpos recém-enterrados para as faculdades de medicina inglesas, e que sua pele virou capa e encadernação de livro. Nos anos 1800, aos condenados à morte, a doação involuntária de seus corpos fazia parte da própria sentença: uma espécie de humilhação post mortem. Por vezes, recortes de sua pele cadavérica eram usados para encadernar livros. Essa prática chama-se “bibliopegia antropodérmica”. A referência mais antiga – datada de 1876 – do termo “bibliopegia” está no Oxford English Dictionary. A expressão “bibliopegia antropodérmica” tem sido usada pelo menos desde o artigo de Lawrence S. Thompson sobre o assunto, publicado em 1946. Essa prática oscilava entre a homenagem póstuma e o erotismo, além de eternizar a lembrança de um julgamento criminal importante. Até maio de 2019, The anthropodermic book project examinou 31 dos 50 livros em instituições públicas, supostamente com encadernações antropodérmicas, das quais 18 foram confirmadas como de pele humana e 13, como de couro animal. Mais recentemente, no ano de 2020, o Museu de Auschwitz-Birkenau recebeu um álbum de fotos cuja capa é feita de pele humana. É provável que o “material” tenha vindo do campo de concentração de Buchenwald, na Alemanha, como resultado do Holocausto, durante o regime nazista de Adolf Hitler.

João Scortecci