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A FORÇA DA MENTIRA / JOÃO SCORTECCI

No início do ano de 1974, já morando na cidade de São Paulo, ganhei de presente um exemplar – velho e surrado – do livro Os protocolos dos sábios de Sião, publicação da Editora Civilização Brasileira. Trata-se de um texto antissemita, que descreve um plano secreto de uma suposta conspiração por parte dos judeus, a fim de atingirem a "dominação mundial”, algo assim. A obra foi traduzida pelo político, folclorista e romancista cearense Gustavo Barroso (Gustavo Adolfo Luís Guilherme Dodt da Cunha Barroso, 1888 – 1959), na época diretor do Museu Histórico Nacional, presidente da Academia Brasileira de Letras e membro do movimento nacionalista Ação Integralista Brasileira. Guardei o exemplar, com a promessa velada de, um dia, voltar ao texto. Alguns anos depois, meu irmão Luiz Gonzaga, falecido no ano de 2022, soube do exemplar e o levou, com a promessa de devolvê-lo, em breve. Alguns meses depois, cobrei a devolução. “Eu o emprestei!”. Foi o que ele disse. É o que acontece – sempre – quando emprestamos um livro. Nunca voltam! Deve ser praga de Gutenberg, o primeiro “afanador” de livros de que se tem notícia, ou, talvez, herança maldita do Arcebispo Adolfo II, com a bênção espiritual de São Cristóvão, como prova de prelo. De acordo com o Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos da América do Norte, o livro Os protocolos dos sábios de Sião influenciou o nazismo e permanece, até hoje, em circulação. A obra é considerada “embuste”, tentativa grosseira de enganar as pessoas, fazendo-as acreditar que algo falso é real. O jornal britânico The Times revelou em um artigo de 1921, escrito pelo jornalista Philip Graves, que o texto era uma falsificação que apresentava diversas passagens plagiadas do Diálogo no inferno entre Maquiavel e Montesquieu, obra satírica política sobre Napoleão III, do escritor francês Maurice Joly (1829 – 1878). O livro Os protocolos dos sábios de Sião tem o formato de uma ata, que supostamente teria sido redigida – por alguém desconhecido – num congresso realizado em 1898, a portas fechadas, numa assembleia em Basileia, cidade às margens do rio Reno, na zona noroeste da Suíça, próxima das fronteiras do país com a França e a Alemanha, onde um grupo de sábios judeus e maçons teria se reunido para estruturar um “esquema” de dominação mundial, com o objetivo de controlar o ouro e as pedras preciosas, criar uma moeda amplamente aceita que estivesse sob seu controle, confundir – com números falsos – o mundo econômico e financeiro, dominar os bancos, os governos e a própria imprensa, criar caos e pânico geral, que fossem capazes de fazer com que os países “do bem”, criassem uma organização supranacional, capaz de interferir em países rebeldes. Segundo investigações, a base da história dos “Protocolos”, como circula desde então, foi criada por um novelista antissemita, funcionário alemão e agente provocador da polícia secreta prussiana, chamado Hermann Goedsche (Hermann Ottomar Friedrich Goedsche, 1815 – 1878), que usou o pseudônimo Sir John Retcliffe, com o propósito de introdução dos judeus como os conspiradores para a conquista do mundo. Os “Protocolos” foram publicados nos Estados Unidos da América do Norte, no Dearborn Independent, um jornal de Michigan, cujo proprietário era o empresário Henry Ford, que, ao mesmo tempo, publicaria uma série de artigos num livro intitulado O judeu internacional. Adolf Hitler e seu Ministério da Propaganda citaram os “Protocolos” para justificar a necessidade do extermínio de judeus. No Brasil, na Era Vargas, o Plano Cohen foi um documento forjado por militares brasileiros com a intenção de instaurar a ditadura do Estado Novo, em novembro de 1937. Uma das maiores falsificações da história brasileira e um exemplo eloquente da intersecção entre o antissemitismo e o anticomunismo no país. O documento foi atribuído à Internacional Comunista, que, pretensamente, buscaria derrubar o governo por meio de greves, invasões, incêndio de prédios públicos e manifestações populares que terminariam em saques, depredações e no assassinato de autoridades. Como parte da farsa, o documento foi "descoberto" pelas Forças Armadas, permitiu rotular como "comunistas" e derrotar os que se opunham ao governo. O documento foi enviado pelo general Pedro Aurélio de Góis Monteiro, chefe do Estado-Maior do Exército, às principais autoridades militares do País e, em uma reunião oficial dos membros militares do governo, foi apresentado como se fora apreendido pelas Forças Armadas. Dutra e os demais presentes expressaram plena convicção quanto à iminência de um golpe comunista e à necessidade de as Forças Armadas agirem com vigor. O Plano Cohen foi então divulgado, desencadeando comoção e uma forte campanha anticomunista. Vargas se aproveitou da falsa ameaça para pressionar o Congresso Nacional a decretar estado de guerra, que lhe deu poderes para remover seus opositores. Em 10 de novembro de 1937, quarenta dias após a divulgação do Plano Cohen, a ditadura do Estado Novo foi implantada no País.

João Scortecci