Conheci o escritor, editor, tradutor e advogado Francisco Marins nos anos 1980, por meio de seus livros da série Vaga-Lume, da Ática, que li e indicava para alunos da educação básica. Em 1997, encontrei-o, já como professora universitária, quando participei da organização de evento e de coletânea de textos comemorativos do centenário de Manoel Bergström Lourenço Filho (1897 – 1970), na Universidade Estadual Paulista – campus de Marília. Tornamo-nos amigos. Trocamos cartas e exemplares de nossos livros e dele ganhei uma linda peça de tapeçaria confeccionada por artesãs de sua terra natal. No início dos anos 2000, por meio dos documentos de arquivo que disponibilizou e das entrevistas que concedeu para a pesquisa de doutorado de Claudete de Sousa – que orientei –,conheci com mais detalhes sua extensa obra e sua intensa atuação no mundo dos livros.
De família de descendentes de tropeiros e agricultores de café, Francisco Marins nasceu em 23.11.1922, em Vila da Prata, hoje Pratânia, no interior paulista. Na cidade vizinha de Botucatu, estudou até o curso ginasial e escreveu, em parceria com o colega conterrâneo Hernani Donato, a novela infantil O tesouro. Em 1940, ingressou no curso de Direito na Faculdade do Largo de São Francisco, época em que, entre outras atividades acadêmicas, presidiu a Academia de Letras das Arcadas, foi contemporâneo de Lygia Fagundes Telles, Leonardo Arroyo, Péricles Eugênio da Silva Ramos, Paulo Bomfim, entre outros escritores, e iniciou colaborações em jornais e revistas. Em 1944, iniciou atividades de redator de peças de divulgação de livros na editora Melhoramentos (SP) – que naquela época já se destacava com 38% da publicação de livros infantis no país. Passou, depois, à função de assistente do prestigiado educador e editor Lourenço Filho e iniciou a exitosa e longeva carreira de escritor para o público infantojuvenil, com a quase totalidade de seus livros publicados pela Melhoramentos.
Seu primeiro livro, Nas terras do Rei Café, de 1945, alcançou tiragem de 26.000 exemplares em duas reedições sucessivas no período aproximado de um ano, incentivando-o a continuar escrevendo para esse público, seguindo-se outros cinco volumes que compõem a série Taquara-Póca. Entre 1952 e 1958, publicou os três volumes da série Roteiro dos Martírios, além de outros títulos, quatro deles na série Vagalume, entre 1985 e 1993. Publicou, ainda, romances e contos para adultos – pelas editoras Melhoramentos, Ática e Escrituras –, artigos de crítica literária, prefácios, traduções e/ou adaptações de clássicos da literatura universal, proferiu palestras e conferências no Brasil e no exterior. Sua obra literária totaliza dezenas de livros, contando os que reescreveu ou adaptou, com títulos diferentes do originais. De seus livros das séries infantojuvenis foram vendidos mais de três milhões de exemplares, com permanência no mercado editorial por mais de seis décadas. Dezessete deles foram traduzidos para o castelhano, inglês, húngaro, africânder, italiano, alemão, eslovaco, dinamarquês e francês e muitos foram lançados também em Portugal. Circula também a informação – não confirmada – que é "o único autor brasileiro incluído na prestigiada coleção europeia Delphin com clássicos da literatura infantil". Em reconhecimento por sua obra, recebeu importantes prêmios: em 1954: Prêmio Carlos de Laet, da Academia Brasileira de Letras, por A aldeia sagrada; em 1957: Prêmio Fábio Prado, da União Brasileira de Escritores, por Volta à serra misteriosa; em 1962: Prêmio Prefeitura do Município de São Paulo, por Clarão na Serra; em 1963: Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, por Grotão do café amarelo; em 1969: Prêmio Literatura infantil do Pen Club de São Paulo; em 1986: Prêmio Lourenço Filho, da Melhoramentos, pelo conjunto da obra e tiragens de seus livros.
Como editor da Melhoramentos, entre 1960 e 1971, foi responsável pela publicação de várias coleções com obras fundamentais da cultura brasileira. Participou, ainda, de entidades e academias literárias, desenvolveu atividades relacionadas com a indústria editorial, comercialização, divulgação e políticas relacionadas ao livro e ao direito autoral. Foi um dos fundadores da Câmara Brasileira do Livro e presidente da entidade entre 1965 e 1967. Em 1966, assumiu a Cadeira n. 33 da Academia Paulista de Letras (APL) e presidiu o Conselho Estadual de Cultura. Em 1967, foi nomeado Secretário Geral e Diretor da Comissão de Publicação da APL, dirigiu por 17 anos a revista da entidade e foi eleito presidente em duas gestões, de 1979 a 1982. Em 1978, assumiu a Cadeira n. 26 da Academia Brasileira de Literatura Infantil e Juvenil e, em 1980, foi eleito Presidente da Academia Botucatuense de Letras. Em Botucatu, criou o Sítio Taquara-Póca e o Convivium: Espaço Cultural Francisco Marins. Faleceu nessa cidade, com 98 anos de idade, no dia 10.04.2016.
A confessa admiração por Os sertões, de Euclides da Cunha, a influência de Lourenço Filho e seu projeto educacional e cultural para o Brasil, o diálogo com a obra de Monteiro Lobato, os debates entre ruralização e urbanização nos anos de 1930/50, a formação da identidade cultural brasileira e do folclore nacional são aspectos presentes na obra de Marins, tendo sempre como pano de fundo o ambiente rural em que ele viveu e imortalizou no Sítio Taquara-Póca. De acordo com Leonardo Arroyo, com “toque de mestre”, Marins “apanha a temática movimentada da história, os lances dramáticos da formação brasileira em sua expressão épica (como a saga dos bandeirantes e colonizadores) para, ao mesmo tempo, ensinar e divertir, sem que o primeiro desiderato prejudique o segundo.”
Ainda tenho aquele tapete, suas cartas, os livros com as afetuosas dedicatórias e cópia das cartas que lhe enviei. Em uma delas, de 2001, agradecendo pelo exemplar de O curandeiro em olhos de gaze e outros recontos, escrevi mais ou menos assim: a terra deixa marcas profundas no homem que nela viveu e com ela vive nos livros que escreveu.
Maria Mortatti – 21.05.2023