Florbela d’Alma da Conceição Espanca – nome por ela escolhido para substituir o de batismo, Flor Bela Lobo – nasceu em Vale de Viçosa, região de Matosinho, Alentejo, Portugal, da união da camponesa Antonia da Conceição Lobo (1879 – 1908) e o fotógrafo e antiquário João Maria Espanca (1866 – 1954), casado com Mariana do Carmo Inglesa Toscano, que, por ser estéril, consentiu que o marido se relacionasse com Antonia. Tiveram mais um filho, Apeles, e Mariana se tornou madrinha das duas crianças. Florbela, que escrevia desde a infância e lia clássicos da literatura, cursou Letras, ingressou em curso de Direito, mas interrompeu para se casar. Casou-se mais duas vezes, divorciou-se duas vezes, sofreu aborto espontâneo, que deixou sequelas em ovário e pulmões, teve amantes, foi acusada de incesto por causa do amor que devotava ao irmão Apeles, falecido tragicamente em acidente de avião, e escolheu o dia de seu 36o. aniversário para cometer suicídio, ingerindo alta dose de barbitúricos, que utilizava para tratamento de depressão, receitados pelo seu último marido, o médico Mario Lage. Antes do suicídio, ainda telefonou para uma amiga e deixou, entre os inéditos, seu Diário do último ano.
Escreveu poemas, contos, cartas e diário, fez traduções e publicou, em vida, apenas dois livros de poemas: Livro de mágoas (1919) e Livro de Sóror Saudade (1923). Postumamente, foram publicados Charneca em flor (1931) e livros em prosa As máscaras do destino (1931), O dominó preto (1982) e Diário do último ano (1981). Conforme a poetisa e pesquisadora Maria Lúcia Dal Farra – uma das pioneiras nos estudos da obra de Florbela no Brasil –, além de críticas de um jornal católico que acusava seu primeiro livro de imoral, a obra da portuguesa não teve muita repercussão na época. Foi a publicação póstuma de Charneca em flor que começou a torná-la conhecida. O poeta italiano Guido Battelli (1869 – 1955), professor da Universidade de Coimbra, que conheceu Florbela um ano antes de sua morte e estava a publicar, sob seu patrocínio, os originais do livro, apressou-se com o lançamento, aproveitando-se da repercussão do suicídio. Despertou, assim, a curiosidade e o interesse dos leitores e incentivou comentários e suspeitas, veiculados nos jornais da época, sobre a relação dos poemas com fatos da vida pessoal de Florbela, como a de ser fruto da relação extraconjugal e de possível relação incestuosa com o irmão, a quem dedicou um poema. Essa tentativa de identificação entre biografia e obra, acentuada pela ditadura salazarista do Estado Novo em Portugal (1932 – 1974), apoiada pela Igreja Católica, fez com que fosse censurada, como tentativa de apagamento da obra e da memória de Florbela, por ser considerada imoral e devassa, a manchar o ideal da época de mulher casta e recatada. Somente 18 anos após sua morte, pôde ser inaugurado um busto esculpido pelo português Diogo de Macedo em homenagem a Florbela, época em que João Maria Espanca reconheceu oficialmente a paternidade.
Nos anos 1940, alguns escritores portugueses destacaram a importância da obra de Florbela. Mas a redescoberta da “do corpo insepulcro”, metáfora utilizada por Dal Farra, dá-se nos anos 1980, com o resgate da importância de sua obra, em especial das características que foram causas de acusações contra ela: erotismo, questionamento da condição feminina e busca de identidade. Desde então, é aclamada pela crítica literária e pelos leitores de todo tipo – até o Presidente de Portugal Marcelo Rebelo de Sousa, declamou um poema de Florbela precedendo os discursos oficiais do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, em 2020 –; e, inclusive no Brasil, versos dela foram musicados e sua vida e obra foram temas de documentário e performances teatrais. Há também uma densa fortuna crítica principalmente por brasileiras que abordam aspectos dessa multifacetada mulher e escritora e suas múltiplas máscaras, características de sua "estética da teatralidade", nas palavras da pesquisadora Renata Soares Junqueira, que, em matéria da revista Pesquisa Fapesp, também identifica interlocução com Florbela em autoras como Dal Farra e Maria Mortatti.