Uma das mais célebres histórias de amor, paixão e morte é protagonizada por Isolda, princesa irlandesa, e Tristão, cavaleiro da Cornualha – península da Grã-Bretanha –, na popular lenda da tradição oral celta do século IX, recontada nas primeiras versões escritas do século XII, pelos poetas Tomás da Inglaterra e o normando Béroul, e difundida pela poetisa Marie de France. Desde então, vem inspirando poetas, escritores, pintores, compositores, cineastas. A peça Romeu e Julieta (1595), do poeta e dramaturgo inglês Wiliam Shakespeare, foi inspirada em poema de 1562, do inglês Arthur Brooke, que também se inspirou na lenda celta. O rei trovador português D. Dinis (1261 – 1325) compôs uma cantiga em que compara o seu amor por uma donzela com aquele dos protagonistas da lenda. Inspirado no romance em verso, Tristão, (c. 1210), do poeta Godofredo de Estrasburgo, o músico alemão Richard Wagner compôs a ópera Tristão e Isolda (1865), com a famosa ária "Amor morte". Em 1900, o filólogo e medievalista francês Joseph Bédier, publicou O romance de Tristão e Isolda. Há, ainda, adaptações cinematográficas da lenda: o filme mudo francês Tristan er Yseult (1909), O eterno retorno (1948), de Jean Delannoy, e Tristan & Isolde (2006), de Ridley Scott. No Brasil, além de traduções recentes das versões de Bédier e Béroul, tem-se a edição, pela Francisco Alves, da tradução portuguesa de Maria do Anjo Braamcamp Figueiredo (1975) e o romance A história do amor de Fernando e Isaura (1956), de Ariano Suassuna.
O núcleo dessa história – marcada pela impossibilidade trágica da plena realização do amor – se mantém, com algumas variações de entrechos e no desfecho, nas diversas versões e adaptações. A mãe de Tristão, Brancaflor, irmã mais nova do rei Marcos, da Cornualha, morreu no parto. O pai o educou nas artes da cavalaria e da música, mas morreu em batalha. Com 15 anos de idade, Tristão foi encaminhado ao rei Marcos e, sem revelar o parentesco, conquistou admiração e confiança. Ao defender o tio contra um guerreiro irlandês que lhe cobrava tributo de guerra, Tristão foi gravemente ferido e, conforme a tradição, partiu em viagem marítima, aguardando cura ou morte. Chegou à costa da Irlanda e, disfarçado, foi recebido pelo rei e rainha, que, com a ajuda da filha Isolda, a loira, e uma poção mágica, curaram o ferimento e ele retornou à Cornualha. Tempos depois, tendo o rei de escolher uma esposa, Tristão indicou Isolda e voltou à Irlanda para buscá-la. Venceu o desafio do dragão, conquistando o direito de se casar com a princesa, mas declarou ser representante do rei Marcos, a quem a levaria. A decisão não agradou a jovem. Sua mãe, então, preparou uma poção mágica para despertar a paixão entre a filha e o rei Marcos, e entregou-a à dama de companhia da princesa, para ser usada na noite de núpcias. Durante a viagem, por acidente (há versões diferentes), Tristão e Isolda beberam a poção, apaixonaram-se perdidamente e se tornaram amantes clandestinos. Na noite de núpcias, a dama de companhia assumiu o lugar de Isolda na cama do rei e os amantes continuaram se encontrando às escondidas, apesar das intrigas da corte e de denúncias que o rei nunca conseguiu confirmar, tais eram as artimanhas criadas pelos amantes para ludibriá-lo. Por insistência dos nobres da corte, Isolda foi instada a fazer um juramento ritual, o ordálio, declarando sua fidelidade ao marido e segurando uma espada de fogo. Por meio de um estratagema, ela declarou que só esteve nos braços de dois homens: o rei e um barqueiro (Tristão disfarçado) que a carregara para atravessar a água. Depois de muitas peripécias, Tristão acabou se casando com outra Isolda, a de mãos brancas. Quando foi novamente ferido de morte, pediu que lhe trouxessem Isolda, a loira, com a poção mágica que poderia salvá-lo, e que a esposa o avisasse quando o navio estivesse chegando: se com bandeira branca, com Isolda; se negra, sem ela. Depois da longa viagem, quando o navio chegava com a bandeira branca, a esposa disse ao já agonizante Tritão que a bandeira era negra. Desesperado e triste, Tristão se entregou à morte. Ao vê-lo morto, Isolda, a loira, pediu à outra que a deixasse se aproximar do cadáver: “‘– Tenho mais direito de chorar do que vós, acreditai-me. Amei-o mais.’ Ela voltou-se para o oriente e orou a Deus. Em seguida, descobriu um pouco o corpo, estendeu-se junto dele, em todo o comprimento do seu amigo, beijou-o na boca e no rosto e o abraçou bem apertado: corpo contra corpo, boca contra boca, assim ela entregou sua alma. Morreu junto dele, de dor por seu amigo.” (Em outra versão, Tristão fora envenenado e, ao beijá-lo, Isolda morre pelo efeito do veneno)
Assim, entrelaçados no amor, na paixão e na morte, Isolda – a que amou mais – & Tristão ficaram imortalizados e continuam encantando, comovendo e inspirando a todos que, conhecendo ou não a lenda, experimentam a poção mágica do amor: "os que a beberem juntos amar-se-ão com todos os seus sentidos e com todo o seu pensamento, para sempre, na vida e na morte.”
Maria Mortatti – 11.06.2023