Tudo começou quando liguei a pequena lanterna, ainda na banca de jornal onde a comprei de presente para um pequeno menino muito curioso. Direcionando o foco de luz para algumas revistas enfileiradas nas prateleiras escuras, foi-me projetada na memória a imagem de um epidascópio. A invenção desse aparelho, no século XVII, é atribuída ao sacerdote jesuíta alemão Athanasius Kircher (2.5.1601 – 27.11.1680), na obra Ars magna lucis et umbrae (A grande arte da luz e da sombra), de 1646, com segunda edição em 1671, contendo a primeira descrição publicada na Europa da iluminação e projeção de imagens e da lanterna mágica. Embora o dinamarquês Thomas Walgenstein tenha sido o primeiro a lhe dar esse nome e considerado seu coinventor, a paternidade do aparelho é disputada também com o matemático, astrônomo e físico dinamarquês Christian Huygens (1629 – 1695), considerado o precursor do cinema. O aparelho é constituído de lentes e uma fonte de luz, que, numa câmara escura, possibilitam a projeção amplificada, sobre um lenço, uma parede ou outra superfície branca, de figuras pintadas em uma ou mais lâminas de vidro, criando a ilusão de movimento, quando se movem as lâminas. Essa e outras invenções ilusionistas de imagens em movimento foram muito utilizadas para ensino e diversão coletiva no século XVII e ampliadas nos séculos seguintes, precedendo o cinematógrafo.
No século XIX, o nome “lanterna mágica” passou a ser aplicado, em sentido metafórico, à imprensa ilustrada que exibia “imagens” da realidade, com crítica social e política. No Brasil, o primeiro periódico desse tipo foi A Lanterna Magica – periódico plastico-philosophico, fundado em 1844, na cidade do Rio de Janeiro, pelo poeta, pintor, professor, jornalista, caricaturista, dramaturgo, arquiteto, professor, historiador da arte e diplomata Manuel José de Araújo Porto-Alegre, Barão de Santo Ângelo, nascido em 29.11.1806, em Rio Pardo/RS, e falecido em Lisboa, Portugal, em 30.12.1879, em decorrência provavelmente de AVC, com 73 anos de idade e pobre. Figura central do Império brasileiro, em 1874 foi agraciado por D. Pedro II com o título de Barão de Santo Ângelo. É o patrono da Cadeira 32 da Academia Brasileira de Letras, por escolha do fundador da cadeira, Carlos de Laet, e da Cadeira 5 do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro, de que foi orador oficial por 14 anos. Versátil e prolífico, com vasta obra escrita, além de realizações em muitos outros campos em que atuou e se destacou, é considerado um dos primeiros cartunistas editoriais brasileiros. Foi discípulo predileto do pintor francês Jean-Baptiste Debret, na Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, acompanhou o mestre em viagem à Europa e estudou pintura em Paris. Quando retornou ao Brasil, trouxe novidades dos periódicos franceses e, inspirado no semanário La Lanterne Magique, fundou a revista Lanterna Mágica: Periódico Plastico-Philosophico. Com sede na Typografia Franceza, Rua de São José, n. 64, na cidade do Rio de Janeiro, e contando com ilustrações principalmente de Rafael Mendes de Carvalho, o semanário circulou, sempre aos domingos, entre agosto de 1844 e 1845, totalizando 23 exemplares, com 14 páginas cada, em formato 29 x 21 cm, com uma caricatura por fascículo e impresso em diferentes tipografias cariocas. A grande inovação de A Lanterna Mágica foi imprimir caricatura e texto juntos nas páginas da revista, pois, até então, as caricaturas de Porto-Alegre eram vendidas em pranchas avulsas nas ruas do Rio de Janeiro.
O objetivo do editor – que ficava no anonimato – era "projetar" imagens, em forma de peça teatral, não para criar ilusionismos, mas para representar satiricamente cenas urbanas e políticas do Rio de Janeiro e denunciar vícios da sociedade da época, “nos moldes das obras da ácida crítica social do desenhista e caricaturista francês Honoré Daumier (1808 – 1879), que apresentava as aventuras de uma dupla de canalhas [Robert Macaire e Bertrand] sem escrúpulos, cujo propósito na vida era enriquecer o mais rápido possível”, como relata a pesquisadora Heliana Angotti Salgueiro, em matéria da Revista Fapesp. N'A Lanterna Mágica, por meio dos diálogos entre os dois personagens centrais, Laverno e Belchior dos Passos, que fingiam entender de tudo – foram romancistas, médicos, políticos, entre outras malandragens – para tirar algum dinheiro dos otários e vencer na vida, o editor buscava mostrar para denunciar e corrigir. Em vez da ênfase nacionalista e da idealização do Brasil, como faziam os escritores românticos de sua época, Porto-Alegre, que sempre atuou para conferir perfil próprio à literatura e às artes brasileiras, preferiu a sátira como denúncia social e política e o riso para corrigir os costumes: “Viemos ao mundo para fazer uma vasta comédia: é melhor ocupar os lugares da frente e os tímidos virem atrás”.
Maria Mortatti