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LA BARRE E O DICIONÁRIO FILOSÓFICO DE VOLTAIRE / JOÃO SCORTECCI

O escritor e filósofo iluminista francês Voltaire (François-Marie Arouet, 1694 – 1778), ficou famoso, também, por sua sagacidade e suas críticas ao cristianismo – especialmente à Igreja Católica Romana. Voltaire era um defensor da liberdade de expressão, da liberdade de religião e da separação entre Igreja e Estado. Versátil e prolífico, escreveu obras em quase todas as formas literárias, incluindo peças de teatro, poemas, romances, ensaios, histórias e exposições científicas. Satirizava a intolerância, o dogma religioso e as instituições francesas de sua época. Sua obra mais conhecida e polêmica, Candide, ou l'optimisme, um conto filosófico em tom de sátira publicado pela primeira vez em 1759, escrito em três dias, no ano de 1758, ainda sob a impressão do terremoto de Lisboa, com assinatura de um pseudônimo, "Senhor Doutor Ralph". O conto foi traduzido em centenas de línguas e, em português, seu título costuma ser Cândido, ou O Otimismo ou simplesmente Cândido. No conto, é narrada a história de um jovem, Cândido, vivendo num paraíso edênico (referente ao Éden) e recebendo ensinamentos do polímata e filósofo alemão Leibniz (Gottfried Wilhelm Leibniz, 1646 – 1716), por meio de seu mentor, Pangloss, figura fictícia, um otimista, com notável espírito de resignação e esperança. A obra retrata a abrupta interrupção desse estilo de vida – otimista a qualquer custo –, quando Cândido se desilude ao testemunhar e experimentar eminentes dificuldades no mundo. Voltaire conclui a obra-prima com Cândido, se não rejeitando plenamente o otimismo, ao menos substituindo o mantra leibniziano de Pangloss, "tudo vai pelo melhor no melhor dos mundos possíveis", por um preceito enigmático: "devemos cultivar nosso jardim." No ano de 1766, um jovem nobre francês Jean-François de la Barre (1747 – 1766),  pelo crime de não saudar uma procissão religiosa católica em Abbeville, França, foi torturado e decapitado, depois queimado em uma pira junto de uma cópia, pregada em seu torso, de outro livro de Voltaire o Dictionnaire philosophique (Dicionário filosófico), proibido pela Igreja Católica Romana. Um monumento em homenagem a La Barre foi inaugurado em Montmartre, França, em 1905, e, na placa afixada, lê-se: “Ao Cavalheiro de La Barre, supliciado aos 19 anos de idade em 1º. de julho de 1766, por não saudar uma procissão.” Em 1926, a estátua foi removida e, em 11 de outubro de 1941, o Regime de Vichy – estado francês liderado pelo Marechal Philippe Pétain (1856 – 1951), durante a Segunda Guerra Mundial –, promulgou uma lei pela qual as estátuas deveriam ser derretidas para aproveitamento do metal. O jovem La Barre – pela segunda vez – junto a filósofos, pensadores e humanistas, foi novamente derretido, desta vez, não com o livro de papel, mas com o livro de “bronze” de Voltaire, lugar, onde, devemos  – eternamente – cultivar nosso jardim.

João Scortecci