Aceite-se! Nietzsche vai e volta e não para de “perigosamente” olhar-me no fígado. Sujeito “estranho” e “azedo”. Não sei se gosto dele. Deveria? Ele declina, escala, sobe, mastiga, cospe, arrasta e invade minhas fortes fraquezas. Minhas identidades! Mexe com as minhas parábolas fantasiosas, meus laços afetivos, minhas resistências inúteis, trágicas e fúteis. Estava lendo um – interessante – artigo sobre a “cultura do ressentimento” e, “de quebra”, sobre a importância do perdão nas relações humanas, quando Nietzsche (Friedrich Wilhelm Nietzsche, 1844 – 1900) entrou “de bicudo” na história, por meio da interpretação do articulista: “Você precisa entender a ‘gênese do ressentimento’, precisa ter estômago forte, abrir o seu corpo podre, que exala vingança, ódio e raiva (...) É nele – no corpo – que mora a moléstia e a enfermidade. (...) O ressentimento – aquele que não sabe perdoar – é uma das condições mais perigosas ao homem! (...) Reconheça a mágoa, não deixe que a raiva te defina.” Fui lendo, concordando, discordando, aceitando, questionando, isso e aquilo. Fui espelho, telhado de vidro, esponja, canga de jumento e até protagonista do “pesadelo” que é a natureza humana. Nietzsche é mesmo um alucinógeno de almas. "Mude a conversa! Mude!". Alguém soprou no meu ouvido, provavelmente possuído por forças sobrenaturais. "Quem fala?" Insisti. Silêncio. Um Severino do céu, talvez. Foi o que fiz: mudei-me de estação e sintonia. Fui à Internet, consultei efemérides, abri links de aniversários, escrevi versos e me vi - temporariamente – livre, curado do vampiro do Nietzsche. Encontrei, esperando-me, no cabeçalho da página, o poeta pernambucano João Cabral (João Cabral de Melo Neto, 1920 – 1999). Uma premonição? Talvez. Peguei de pronto – de alma lavada – o seu livro “Morte e Vida Severina”, sem ressentimentos. João Cabral não cansa, não mastiga, não cospe, não arrasta e nem invade minhas desgraças. Olha o que ele me disse, a título de apresentação, na abertura do seu livro: “O meu nome é Severino,/não tenho outro de pia./Como há muitos Severinos,/que é santo de romaria,/deram então de me chamar/Severino de Maria;/como há muitos Severinos/com mães chamadas Maria,/fiquei sendo o da Maria/do finado Zacarias.” Grande João! Sem ressentimentos!
João Scortecci