Duas famosas antologias de contos organizadas e editadas no Brasil em meados do século XX se tornaram antológicas: Mar de histórias: antologia do conto mundial (10 volumes), organizada por Aurélio Buarque de Holanda Ferreira & Paulo Rónai (José Olympio; Nova Fronteira, 1945 – 1989), e Maravilhas do conto universal (29 volumes), organizada por Diaulas Riedel e Edgard Cavalheiro (Cultrix, 1957 – 1959).
Mar de histórias: antologia do conto mundial foi concebida e organizada por Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (1910 – 1989), lexicógrafo, professor, tradutor, ensaísta e crítico literário brasileiro, autor do Novo dicionário da língua portuguesa e membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), e Paulo Rónai (1907 – 1992) tradutor, crítico e professor húngaro-brasileiro, agraciado com o Prêmio Machado de Assis da ABL. Como relata Rónai, logo que chegou ao País e conheceu Aurélio na redação da Revista do Brasil, tornaram-se amigos e, juntos, passaram a desenvolver projetos editoriais. Tendo identificado uma lacuna de contos estrangeiros no mercado editorial brasileiro, os organizadores passaram a selecionar e traduzir contos de escritores conhecidos e também desconhecidos, conforme critérios de qualidade literária e ordem cronológica, contendo cada volume contos de diversos autores e países, durante determinado período, desde os “precursores” no Egito antigo, até os publicados após a Primeira Guerra Mundial, o último deles datado de 1925. Os volumes contam também com notas introdutórias de apresentação de cada autor e notas de rodapé explicativas, caracterizando a “vocação didática” da coleção e, ao mesmo tempo, proporcionando aos leitores uma visão da evolução e formação histórica do gênero conto, da perspectiva dos movimentos literários, diferenciando-se de outras antologias organizadas por países/nacionalidades dos autores, como as da Livraria Martins Editora, nos anos 1940, e da Cultrix, nos anos 1950. Quanto ao título Mar de histórias, os organizadores assim explicam sua origem: “A expressão vem de uma antiga coletânea da Índia, do século XI: é a tradução do nome sânscrito Kathâsaritsâgara que significa isso mesmo: ‘mar formado pelos rios de histórias”. Afinal, um verdadeiro oceano de narrativas, muitas delas célebres, outras traduzidas pela primeira vez para a língua portuguesa, de sorte que a obra em seu conjunto ficará sendo a mais completa panorâmica do conto universal.” Em seu depoimento à Revista Tradução & Comunicação, de 1982, Rónai acrescenta: “acabou por transformar-se na ousada pretensão de fazer dela uma espécie de introdução à literatura mundial”. Mar de Histórias foi produzida durante 45 anos e reúne 245 textos de autores de mais de 40 países, totalizando cerca de 3.500 páginas. Os quatro primeiros volumes foram lançados pela José Olympio, entre 1945 e 1963, e reeditados entre 1978 e 1980. Pela Nova Fronteira foram editados os volumes seguintes até o décimo, lançado em 1989, e a coleção foi reeditada em 2014.
Maravilhas do conto universal foi concebida e organizada por Diaulas Riedel ( – 1997), editor, gráfico e escritor brasileiro, proprietário da Cultrix, criada em 1956 e destinada à área universitária, como braço da Editora Pensamento, e Edgar Cavalheiro (1911 – 1958), escritor, editor e crítico literário brasileiro, notabilizado pela biografia de Monteiro Lobato e diretor editorial da Cultrix, para edição de obras da área de literatura entre outras. A coleção, que não é mais editada, era composta por 24 volumes de contos organizados pela nacionalidade do autor ou temática, foi publicada entre 1957 e 1959, com sucesso de vendas em domicílios e em livrarias e com inúmeras reedições e licenciamentos para outras editoras. Iniciada com o volume Maravilhas do conto francês, a coleção se inspirava em outras da época, como Obras-primas do conto, da Livraria Martins Editora, Os mais belos contos, da Editora Vecchi, e Mar de Histórias, da José Olympio, como informa Edgar Cavalheiro na apresentação do volume 1 da coleção que coorganizou. Apesar do sucesso editorial e comercial, essa coleção foi objeto de acusações e críticas, pois, como relata Laurence Hallewell, inicialmente nem todos os contos eram reproduzidos com a devida autorização legal dos detentores dos direitos autorais e de tradução, o que era prática infelizmente "comum" na época; a situação foi regularizada quando, em 1961,o poeta, tradutor e crítico literário brasileiro José Paulo Paes (1926 – 1998) assumiu a direção editorial da Cultrix.
Para alguns críticos literários, a antologia Mar de Histórias é a maior e a melhor obra do gênero produzida no Brasil. Para outros, esse posto cabe à Maravilhas do conto universal. lém de outras de sucesso, mas talvez de menor brilho, ambas as antologias – do grego "anthologia", coleção/estudo das flores –, formadas pela reunião, neste caso, de contos de diferentes autores renomados de diferentes épocas, representaram avanços editoriais e culturais no Brasil no período de “crise” econômica que atingiu também a indústria e o mercado do livro após a Segunda Guerra Mundial. E ambas se tornaram antológicas, como obras de referência e divulgação, para os brasileiros, de clássicos da literatura universal. Ambas também fazem parte de minha biblioteca desde os anos 1980. De certo modo, cumpriram a função introdutória à literatura mundial e, até hoje, proporcionam-me prazerosos mergulhos nessas maravilhas e nesse “mar formado pelos rios de histórias”.
Maria Mortatti – 18.08.2023