A Revista de Ensino era organizada em seções que se mantiveram, com algumas variações, em todos os números, abordando, entre outros assuntos, questões gerais, pedagogia prática, literatura infantil, hinos escolares, arquitetura escolar, movimento e balancetes da Associação, atos oficiais, notícias, anúncios publicitários. Ao longo dos 16 anos de seu ciclo de vida, com periodicidade bimestral ou trimestral, a revista passou por três diferentes fases, com e sem patrocínios oficiais. A primeira fase – abril de 1902 a dezembro de 1904 –, com periodicidade bimestral e 17 números publicados, caracterizou-se pela independência de posicionamentos, ainda que fosse impressa pela Typographia do “Diario Official” e “sob os auspícios da Directoria Geral da Instrucção Publica do Estado de São Paulo” – em fascículos de 16 x 22 cm, com cerca de 140 páginas. A segunda fase – fevereiro de 1905 a março de 1910 – caracterizou-se pela ausência de subvenção oficial, suspensa em 1904, em retaliação às posições do presidente da Associação, que criticou medidas do governo estadual, como o desconto dos vencimentos dos funcionários públicos e a reforma do ensino de 1904. A revista passou, então, a ser impressa, às expensas da Associação, por diferentes tipografias, presumivelmente paulistanas: Typographia Guimarães, Typographia Tolosa, Typographia D’À Noticia, Typographia Nacional de Carlos Borba, Typographia Nacional de E. Braggio & C., Typographia Helvetia de A. Otto Uhle. Foram publicados 22 números com periodicidade bimestral, mas começou a diminuir de tamanho e espaçar a periodicidade, até se esgotarem os recursos da Associação e a revista ser extinta, em março de 1910. Em junho de 1911, a publicação foi retomada, com periodicidade trimestral, subvenção oficial e impressão pela Typographia do “Diario Official”, por iniciativa de Oscar Thompson, que assumira a Diretoria Geral da Instrução Pública. Em 1918, foram compostos os últimos quatro números, referentes a junho/dezembro daquele ano e publicados no ano seguinte.
Entre os editores e colaboradores da revista – aproximadamente 153 autores de textos originais ou traduzidos, a maioria homens –, em seus diferentes números e seções, constavam professores, como Arnaldo de Oliveira Barreto, João Chrysostomo dos Reis Júnior, João Lourenço Rodrigues, Alfredo Bresser da Silveira, Emilio Mario Arantes, diplomados pela Escola Normal de São Paulo e pelas escolas normais criadas no interior e no litoral do estado, desde o final do século XIX, integrando a reforma da instrução pública paulista, iniciada na década de 1890 pelo educador e médico Antonio Caetano de Campos (1844 – 1891). Constituindo-se como uma elite intelectual, esses professores, além de tematizarem problemas educacionais relevantes para a época, foram os tradutores/adaptadores/parafraseadores ou autores dos textos publicados na seção “Literatura infantil”. Muitos deles se profissionalizaram como escritores didáticos, tendo publicado livros para o ensino de diferentes matérias, incluindo cartilhas de alfabetização, livros de leitura e livros de literatura infantil, como Arnaldo Barreto que, além de autor de séries de livros de leitura, passou a dirigir a Biblioteca Infantil, da Melhoramentos, iniciada, em 1915, com sua tradução do conto "O patinho feio", de Andersen.
Na seção “Literatura infantil”, com denominações oscilando também entre “Literatura escolar” e “Literatura didática”, eram publicados contos infantis, poemas, diálogos e pequenas comédias para recitação, a maioria não escritos originalmente para crianças. Com essa seção, “a melhor revista de cultura da época” – segundo o historiador Antonio Barreto do Amaral – e um marco na imprensa pedagógica paulista e brasileira das décadas iniciais do século XX, contribuiu para disseminar e consolidar uma concepção de literatura infantil como gênero didático (nele subsumida sua condição de gênero literário), e ramo da Pedagogia (nele subsumido seu pertencimento ao ramo das Letras). Por meio de seleção, tradução/adaptação, elaboração original ou paráfrase de textos publicados na seção, os editores e colaboradores da Revista de Ensino foram definindo empiricamente um modo de conceber a literatura infantil, do ponto de vista da educação e de suas finalidades pedagógicas, articuladamente ao desenvolvimento da indústria editorial e gráfica brasileira, impulsionada pela publicação de livros escolares e visando à educação dos cidadãos, função atribuída à escola primária no projeto republicano de modernização social e cultural da Nação brasileira. Essa concepção de literatura para crianças – ainda presente – foi “confrontada” na década seguinte, pelo escritor, editor e tradutor Monteiro Lobato, considerado o “pai da literatura infantil brasileira” propriamente dita.
Maria Mortatti – 12.09.2023
[Síntese de artigo publicado em inglês na revista History of education & children’s literature X / 2 2015] e em tradução para o português na revista História da Educação, v. 22, n. 56, sete./dez. 2018.]