Lançada em 1973, sob a direção do editor e professor Jiro Takahashi (22.11.1947 – ), que se tornou uma “lenda” no mercado editorial brasileiro, a Série Vaga-Lume da editora Ática deu início à publicação de livros de literatura para público jovem que se tornaram clássicos. E também consolidou o termo “paradidático” para designar esse produto editorial e o correspondente modo e espaço escolar de circulação de textos literários. Embora livros desse tipo fossem utilizados esparsamente nas escolas brasileiras desde o início do século XX – com destaque para Através do Brasil (1910), de Olavo Bilac e Manoel Bonfim –, a criação do termo “paradidático” é atribuída ao professor Anderson Fernandes Dias, diretor-presidente da Editora Ática, e ao editor e professor Jiro Takahashi, tendo se estendido a material de apoio de várias matérias do currículo escolar, além de Língua Portuguesa. Com reformulações no projeto original e desdobramentos na Série Vaga-Lume Júnior, desde os anos 1970 mais de 150 títulos foram lançados ou relançados, superando, segundo a editora, oito milhões de exemplares vendidos até 2021.
Originada da impressão em mimeógrafo de apostilas didáticas para o Curso de Madureza Santa Inês, da cidade de São Paulo, a Ática iniciou, em 1970, a publicação de paradidáticos na área de língua portuguesa e literatura com a Série Bom Livro de clássicos de literatura brasileira e portuguesa. Com a democratização do ensino público decorrente das mudanças estabelecidas pela Lei n. 5.692, de 1971 – que, entre outras medidas, tornou obrigatório o ensino de oito anos – e com novos programas de incentivo à leitura e à formação de leitores, a Vaga-Lume foi destinada, como leitura extraclasse, para um público específico: estudantes de 5ª a 8ª. série do então 1º. grau, com idades entre 10 e 14 anos, pouco habituados à leitura de clássicos. Na contracapa dos livros, constavam seus objetivos de adequação aos interesses e gostos de estudantes dessa faixa etária: “Para despertar e criar o gosto pela leitura. Histórias emocionantes, cheias de ação, uma linguagem simples e direta. Todos os títulos com um Suplemento de Trabalho especial”. E com capas inovadoras para a época. Como conta Takahashi em entrevistas, os livros eram selecionados entre os que chegavam à editora e os indicados por professores, além de a editora convidar autores para escrever especialmente para a Série. Eram também “testados” por estudantes que davam sugestões sobre temas e distribuídos gratuitamente aos professores. Além das inovações, o baixo custo dos livros foi outro fator de sucesso da Série.
Os primeiros lançamentos da Vaga-Lume foram títulos de autores contemporâneos já publicados e consagrados em décadas anteriores, alguns agraciados com prêmios e indicações nacionais e internacionais. Entre esses, constam: dois de Maria José Dupré republicados em 1973 – A ilha perdida, de 1944, que inaugurou a Vaga-Lume, com mais de 5 milhões de exemplares vendidos até os dias atuais, e Éramos Seis, de 1943; seis títulos de Lúcia Machado de Almeida – O caso da borboleta Atíria, de 1951, republicado na Série em 1976, O escaravelho do diabo, publicado originalmente na revista O Cruzeiro e republicado em 1974, e As aventuras de Xisto, de 1957, republicado em 1973; dois títulos de Homero Homem – Cabra das Rocas, de 1960, republicado em 1973, com meio milhão de exemplares vendidos, e Menino de asas, de 1969, republicado em 1978, com mais de um milhão de exemplares vendidos até 1988 e que constou da lista de honra do Prêmio Hans Christian Andersen, em 1979; três títulos de Ofélia e Narbal Fontes – Cem noites tapuias, republicado em 1976, ano em que foi premiado com o Jabuti – CBL, O gigante de botas, de 1940, republicado em 1974, Coração de onça, de 1942, republicado em 1977. A partir dos anos 1980, autores brasileiros foram convidados a escrever especialmente para a Vaga-Lume. O primeiro e o “rei da Série” foi Marcos Rey, pseudônimo de Edmundo Donato, que já era consagrado como autor de obras para adultos, roteirista e tradutor. Estreou na literatura para jovens com a publicação na Vaga-Lume, em 1981, de O mistério do cinco estrelas, que, até fevereiro de 1995, vendeu quase um milhão de exemplares, seguido de 14 títulos seus publicados quase anualmente, entre os quais, O rapto do garoto de ouro, de 1982, Um cadáver ouve rádio, de 1983, Sozinha no mundo, de 1984, e Gincana da morte, de 1997, o último que publicou na Vaga-Lume. Também se destacou, entre outros, o escritor mineiro Luiz Puntel, com sete livros na Série, o primeiro deles Deus me livre!, de 1984.
Os livros da Vaga-Lume fizeram sucesso também entre meus alunos da educação básica nos anos 1980. Analisei três deles – A ilha perdida, Aventuras de Xisto e O mistério do cinco estrelas – em minha dissertação de mestrado em educação, na Universidade Estadual de Campinas, orientanda por Joaquim Brasil Fontes Junior e publicada no livro Leitura, literatura e escola (Martins Fontes, 1989). Na enquete que realizei em 1984, com professores e alunos de escolas públicas da região de Campinas/SP, os preferidos eram também os best-sellers da Vaga-Lume. Contando com autores e títulos consagrados antes ou com sua participação na Série, com textos narrativos ficcionais adequados aos interesses e gostos dos jovens, com modo de circulação no espaço escolar, mas como leitura extraclasse, e com baixo custo, esses “paradidáticos” de literatura brasileira – como os de outras duas séries da editora: Bom Livro e Para Gostar de Ler – ampliaram o sentido do termo e desse tipo de produto editorial, tendo se tornado clássicos – os títulos e a Série – e um marco importante na história da literatura para jovens no Brasil e que, há 50 anos, vêm contribuindo para a formação de várias gerações de leitores.
Maria Mortatti – 21.10.2023