Com 10 anos de idade, ganhei um exemplar de Haidi, a filha das montanhas, adaptação do romance infantojuvenil da escritora suíça de expressão alemã Johanna Spiry (12.06.1827- 07.07.1901). De formato pequeno, capa de fundo amarelo, 126 páginas com algumas ilustrações em preto e branco, o livro foi publicado pela Livraria Exposição do livro (SP), sem data, com tradução por Sylvio Monteiro da adaptação (dos dois volumes originais) pela escritora estadunidense Alice Thorne e publicada em 1961 pela Grosset & Dunlap. Foi um presente de D. Elza Canazza, professora de minha turma (feminina) no 4º. ano primário, como prêmio pelo aproveitamento, com louvor, no ano letivo de 1964 no Grupo Escolar “Pedro José Neto”, de Araraquara/SP.
Nascida nos Alpes Suíços, Johanna Louise Heusser Spyri começou a escrever aos 43 anos de idade e publicou o primeiro livro em 1873, em Zurich, Alemanha, onde passou a morar depois de casada. Após a morte do marido e do único filho, em 1884, dedicou-se a causas de caridade. Ao longo da vida, escreveu mais de 50 histórias, a maior parte para crianças e com tom didático e religioso, tendo se tornado um ícone na Suíça.
Seu primeiro romance para crianças é Heide. Escrita em quatro semanas, a história original de Joahnna Spyri foi publicada em duas partes: Heidis Lehr- und Wanderjahre (Os anos de aprendizado e viagens de Heidi), de 1879/1880, e Heidi kann brauchen, was es gelernt hat (Heidi pode usar o que aprendeu), de 1881. Heide (ou Haidi), é o apelido da protagonista, Adelaide, menina órfã de cinco anos, otimista e altruísta, levada pela tia Dete para morar com o avô paterno que vivia sozinho nos Alpes Suíços. Lá, ela aprende e ensina o amor ao próximo, à natureza e a reverência a Deus. Com 10 anos de idade, a tia a leva à casa de uma rica família em Frankfurt, Alemanha, para ser companheira da menina Clara, de 12 anos, paralítica, órfã e solitária. Lá, ela novamente ensina e aprende a generosidade e a alegria de ajudar os outros. Sente saudade da vida nas montanhas e para lá retorna, levada por Clara e seu pai.
Heide teve sucesso imediato e se tornou uma das obras mais conhecidas da literatura suíça e um clássico da literatura infantojuvenil universal. Os livros foram traduzidos para mais de 50 idiomas, com inúmeras adaptações em livros, filmes e séries live-action e de animação de cinema e TV, peças de teatro, histórias em quadrinhos, musicais. Houve também alegação de a história ter sido plagiada de romance suíço de 1830, o que foi contestado por não haver comprovação científica das semelhanças encontradas.
O exemplar que ganhei há seis décadas, guardei-o com as recordações escolares. Recentemente, reencontrei-o e o reli. Com certeza, a professora o escolheu para me presentear por ser a adaptação então recém-lançada de um clássico da literatura para meninas e com lições exemplares a serem aprendidas e usadas. Assim o li naquela época e gostei. Provavelmente também usei muito do que aprendi com ela e outras protagonistas órfãs de histórias parecidas – como Pollyana, do romance de Eleanor Porter, que li logo em seguida, na tradução de Lobato pela Cia Editora Nacional – as quais foram criticadas por estudiosos da literatura infantil a partir dos anos 1980, justamente pelo tom edificante e didático. Na releitura, as lições de Haidi não me empolgaram. Mas me detive na folha de rosto com o carimbo da Livraria Acadêmica de Araraquara e anotações em manuscrito, abaixo de meu nome: “Lembrança de D. Elza, 12 de dezembro de 1964.” Talvez o livro-lembrança da saudosa professora e do que me ensinou tenha representado a mais duradoura e afetiva lição daqueles tempos de aprendizado com Haidi, a “filha" dileta de Johanna Spyri.